quarta-feira, 9 de maio de 2012

Métodos Mistos, a terceira vaga e o cristal.

Algo de novo anda a aparecer no reino da Investigação por Métodos Mistos (IMM - Mixed Methods Research 


Críticas à IMM
Num artigo publicado hoje, no Journal of Mixed Methods Research, Norman Denzin afirma que, apesar da IMM já existir no discurso científico há pelo menos 30 ou 40 anos, ainda não se consegue definir bem o método ou os seus benefícios.

As guerras de paradigmas dos anos 60 e 70 não foram ainda ultrapassadas. Por um lado, os proponentes da tese da incompatibilidade ou incomensurabilidade entre os qualitativo e o quantitativo (Quali/Quanti) propõem que estes métodos enquadram-se em paradigmas diferentes e por isso não podem ser combinados facilmente. Esta visão é contraposta pelo grupo que afirma que no discurso associado à IMM há um enviesamento pós positivista onde o Qualitativo aparece como subordinado (ou inferior) ao Quantitativo, como se de uma hierarquia se tratasse. Denzin aponta ainda outros problemas no reino da IMM: é cara, os investigadores por vezes padecem de uma espécie de superficialidade biligue (ao "brincarem" com os 2 métodos: Quali/Quanti) e as permanentes discussões filosóficas impedem o avanço pragmático. Denzin resume estas críticas, avançadas por outros autores, mas depois faz também ele uma crítica muito pessoal que acaba por se tornar o foco desde artigo - e que pode ser, a meu ver, algo revolucionária. Afirma que a IMM, na sua situação actual, oferece muito poucas estratégias para avaliar os níveis de experiência mais interpretativa e contextual onde os significados são criados. Adicionalmente, a IMM actualmente também não oferece um mapa para a análise crítica (Freire) e uma abordagem pragmática que explicitamente encare as questões de justiça social (West, 1995).


Um triângulo ou um cristal?


Existe um espectro contínuo na abordagem à análise e representação de materiais qualitativos. De um lado, a ênfase está no conhecimento válido e fidedigno gerado por investigadores neutros que usam métodos rigorosos para chegar à Verdade. Cabe neste saco o pós-positivismo, o ecletismo e as novas iniciativas de IMM.  Do outro lado do espectro, estão os investigadores que valorizam o conhecimento humanista e abertamente subjectivo: autoetnografia, narrativas, imagens. As verdades são múltiplas e ambíguas.

A meio caminho entre estes 2 pontos situa-se uma abordagem  que oferece descrição, exposição, análise, insight e teoria, misturando arte e ciência e transcendendo frequentemente estas categorias. Escreve-se na primeira pessoa, o investigador procura ser íntimos dos seus dados - não dos sujeitos :-) - e utiliza-se a grounded theory ou métodos múltiplos.
Ellingson’s (2009) propõe a figura de uma cristal como a melhor ilustração da sua própria abordagem pós-moderna à triangulação: a imagem central da indagação qualitativa tem que envolver lentes múltiplas. Esta cristalização está embebida de um discuso energicamente indisciplinado. Procura produzir uma interpretação espessa e complexa, utilizando diversas formas de análise e incorporando o processo reflexivo do investigador no processo de indagação. Denzin afirma que esta versão de triangulação proposta por Ellingson é consistente com a terceira vaga de movimentação entre e através de métodos, politicas e indagação.



Perguntas difíceis

Denzin utiliza a metáfora do investigador como bricoleur  - alguém que age dentro do conceito do "faça você mesmo", dançando entre tarefas, abordagens e estratégias metodológicas, mas nunca cometendo o erro de misturar ou sintetizar paradigmas - ao propor para discussão a viabilidade desta terceira vaga na IMM:

  • Será que podemos criar um discurso que não brinca às palavras consigo mesmo de uma forma metodocêntrica (Hesse-Biber, 2010)? 
  • Será que conseguimos descortinar uma forma de sairmos do presente estado das coisas?
  • Podemos ter agora uma moratória na conversa sobre design e tipologias de IMM e voltarmos a nossa atenção para a tarefa mais importante que temos - que é mudar o mundo?

Para Denzin, o investigador bricoleur está na profissão de mudar o mundo, com o objectivo de justiça social e tem de agir como um catalisador da mudança social. Os investigadores qualitativos académicos têm uma obrigação de mudar o mundo, de se empenharem num trabalho ético que faz a diferença positiva. Desafia-nos a confrontar os factos de injustiça, a tornar as injustiças da história visíveis, abrindo assim o caminho para a mudança e transformação.

(Já ouço as vozes: "Era o que faltava! Isto é só uma tese/artigo/estudo? Agora é para mudar o mundo?")

Inspirador, revolucionário ou demente?


Norman K. Denzin percebe alguma coisa do assunto, é Professor e Investigador de Comunicação, Sociologia e Humanidades na University of Illinois, Urbana-Champaign. É autor e editor de diversos livros, incluindo: The SAGE Handbook of Qualitative Research, Strategies of Qualitative Inquiry, The Qualitative Manifesto e Qualitative Inquiry Under Fire, entre outros. Foi editor do periódicos The Sociological Quarterly,  Qualitative Inquiry,  Cultural Studies-Critical Methodologies, International Review of Qualitative Research,  Studies in Symbolic Interaction, e é  Director do International Congress of Qualitative Inquiry

Referência
in Denzin, N. (2012). Triangulation 2.0. Journal of Mixed Methods Research, 6, 80-88.[enfase adicionada]

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