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Esquemas resultantes da análise qualitativa in loco, produzidos pelos alunos. |
O que acontece quando um grupo de alunos de psicologia - que na sua maioria nunca ouviu falar em análise qualitativa - é confrontado com um excerto de uma entrevista para codificar? Ali e agora. Medo? Caos? Incredulidade? Escárnio e mal-dizer? Dissonância cognitiva? O ocasional bocejo? :-) Sim, alguns destes ingredientes estiveram presentes, são pitadas essenciais numa actividade onde se pede uma elevada capacidade de entrega e de experienciação de algo que é desconhecido e complexo..
No entanto, o que senti na vasta maioria dos alunos-participantes* foi uma curiosidade genuína, uma séria
pré-ocupação com o rigor metodológico e uma excelente capacidade de envolvimento com os dados e com o processo. E também uma saudável disponibilidade para porem em causa preconceitos e para se rirem das automatizações que por vezes estão enraizada na forma como encaramos as ciências.
Após uma aula teórica onde foram apresentados os conceitos gerais da análise de dados qualitativos e os métodos e paradigmas subjacentes (tomando como exemplo
este projecto), surgia o grande desafio: a análise de um excerto de uma entrevista, na aula prática, conforme indicações do seguinte exercício em grupo :
Tarefa: "No mundo dos casais"
- Ler o excerto da entrevista e reflectir sobre quais os objectivos específicos subjacentes;
- Testar e afinar os processos de codificação;
- Descritiva: Quem são estes participantes?
- Tópica: O excerto refere-se a que temas gerais?
- Analítica: Que categorias emergem? Que conceitos estão representados, o que pode ser explicador e agregador, como se relacionam os conceitos?
- Justificação: basear a codificação analítica na contagem de ocorrências de determinadas unidades de significados, na relação entre categorias e/ ou na análise aprofundada da estrutura da narrativa.
- Criar um esquema que ilustre os resultados da análise
Cada grupo teve direito a um excerto diferente da mesma entrevista. Este foi um deles:
"Excerto 4 da
entrevista ao casal Mariana (37) e Francisco (39), em união de facto há 10
anos, com 3 filhos.
L: Imaginem que vocês encontravam um casal de 80 anos que vos dizia “Nós conseguimos
manter um desejo sexual muito satisfatório para ambos, ao longo de 60 anos de
casamento”. O que é que vocês acham que este casal fez?
M: Acho que comunicou
bem.
F: Confiança.
M: Aprenderam a manter
a comunicação. Se agora não conseguimos resolver, amanhã vamos conseguir. Se eu
não consigo, ele vai conseguir.
F: Expostos à
diferença. A ouvir o outro.
M: A tolerar que o
outro não se funda comigo. Que o outro esteja no meio da festa e ser a estrela.
F: Não admitir a
monotonia, se não às tantas enrola-se numa coisa que não tem interesse e acaba
por acabar.
M: Se o próprio tem
uma dificuldade um problema que não consegue resolver, pode ser necessário ir
buscar uma ajuda…
L: Ir buscar
os recursos que se acha que são necessários?
M: Mas mantendo sempre
aberta a comunicação. Eu preciso disto, vou fazer isto… Pode ser qualquer coisa
e que o outro saiba dizer então vai."
Os grupo iniciaram o seu trabalho com diferentes ritmos. As principais dúvidas iniciais prenderam-se com a codificação descritiva (até chegarem às categorias "género", "idade", "tipo de união" - as únicas a que tinha acesso). Após ultrapassada a primeira dificuldade, os pedidos de ajuda ou esclarecimento foram relativos ao processo - indubitavelmente árduo - de abstrair dos dados categorias suficientemente específicas e simultaneamente
meta, que de facto acrescentem qualquer coisa de novo à análise. Ao relacionar estas novas categorias emergentes entre si através de outras categorias mais interactivas ou processuais, os resultados esquemáticos começaram a ser testados contra os dados (excerto) e os resultados estão à vista.
Exemplos de alguns esquemas produzidos:
Todos estes excertos foram conceptualizados e produzidos pelos alunos em menos de 1 hora! Mas o processo total foi maior e incluiu uma aula teórica. Fomos do excerto às perguntas do guião, do guião à entrevista, dos dados às categorias de análise, sempre em frente até às pesquisas de significados e por fim de volta às análises para perceber como se pode co-construir a teoria.
Pessoalmente, foi uma experiência riquíssima, e fiquei cheia de vontade de repetir!
Obrigada a tod@s.
* Tenho por hábito, nas aulas que sou convidada a dinamizar, distribuir uma folheto com 3 pontos (O que gostei mais? O que gostei menos? e Comentário) para a minha própria avaliação, ou seja, para perceber o que correu bem e que áreas é que necessitam de ser melhoradas. É uma ferramenta de trabalho inestimável.
Nota: Todos os esquemas foram reproduzidos com a expressa autorização dos seus autores originais. Agradeço à aluna Marlene L. o envio de algumas fotografias e lamento não poder colocar todos os esquemas produzidos, por questões de espaço no blog.