É com grande orgulho que apresento uma nova colaboração no blog: Maria Minas* fala-nos dos seus primeiros mergulhos na análise qualitativa, e de quão caóticas e recompensadoras podem ser estas aventuras.
Diário dos primeiros passos na análise de dados
Dia 1: Querido diário, já recolhi os primeiros dados da minha
investigação. Várias impressões e interrogações me assaltaram desde que comecei
a ouvir os participantes das entrevistas… Aliás, acho que foi a sensibilidade e
curiosidade que me trouxeram aqui e continuam a atrair-me e sugestionar-me
discretamente. Mas hoje escrevo para registar um marco importante. Vou começar
oficialmente a fazer “análise de conteúdo”. Estou curiosa, entusiasmada e
assustada com esta aventura. Descobrir que padrões emergem do emaranhado de
conteúdos, de significados… Que surpresas, aprendizagens, confrontos, mudanças
me esperarão?
Dia a seguir: “Há tantos caminhos que vão dar a Roma”… Qual será o
que melhor condiz com os princípios e objectivos do estudo, com aquilo que
pretendo conhecer e a maneira como o pretendo fazer? Afinal, fazer análise de
conteúdo equivale a aprender análise de conteúdo e criar análise de conteúdo.
Preciso de apreender as ferramentas
que já existem, compreender as suas várias utilidades e como se manuseiam e
depois personalizar o percurso, ajustando-o à razão de ser da minha
investigação, aos seus participantes, à sua essência…
Dias depois: Tenho andado às voltas a ler as transcrições das
entrevistas e a tentar absorver o que os entendidos na matéria de analisar
conteúdos entendem. Vou apontando reflexões e memos. Espero que sejam úteis,
tenho feito pequenas experiências baseando-me nas dicas que os autores vão
partilhando de “por onde pegar” no nosso emaranhado de conteúdos. Chegou a hora
de arriscar e dar os meus primeiros passos. Começar a apropriar-me da
experiência e esboçar alguma coisa que reflita a voz e sentidos dos
participantes, da nossa investigação.
Passados muitos dias: “Que engraçado!” “Que confusão!”… “Que
interessante…” “Nunca tinha reparado….” “O que quererão dizer com isto?”
“AH!”…“Bem, tenho que fazer outra coisa, a monotonia está a dar-me sono”. Não
escrevia há muito tempo, mas estas são algumas das expressões que me têm
ocorrido, entre muitas outras. Quase que poderia fazer uma análise de conteúdo
da minha própria experiência subjectiva! Sem dúvida que ia ser surpreendente e
rica… E depois podia relacioná-la com o que tenho recolhido dos participantes e
comparar! De repente parece que tudo à minha volta tem potencial para análise
de conteúdo, dá vontade de questionar, comparar, quase como se de um jogo se
tratasse. Estou de tal maneira embrenhada que me sinto voltar aos tempos em que
jogávamos consola e, tal era o “envolvimento”, transportava o jogo para o sonho
e sonhava que estava a ultrapassar níveis do Super Mário e descobria novos
truques…! Vejo muitas coisas positivas em viver este espírito adolescente no
processo de análise de dados, chega a ser lúdico olhar
para esta “obrigação” como um jogo de criatividade e sensibilidade. E esta
aprendizagem, esta lente a olhar para a vida, para os significados e para as
relações acaba por se entranhar e ser transferida para outras leituras e para a
maneira como integro e acolho o que vejo e oiço. Dou então por mim a ver os
padrões que emergem na exploração dos dados plasmados noutras situações mais
rotineiras – numa notícia, num poema, numa crónica… E de repente, em qualquer
leitura destacam-se palavras, pulam e juntam-se a outras e formam triângulos e
apontam para novas direcções…
Sonho? Não. Realidade dinâmica,
de quem se deixa influenciar e interpelar pelos dados, pelo que os
participantes das entrevistas transmitem…!
E estou só no princípio. Este
exercício promete ganhar complexidade, baralhar-me, mas esclarecer-me também. O
tempo não se perde, ganha-se. Porque enquanto não damos por ele a passar
crescemos na capacidade de ouvir a perspectiva dos outros e de assim
aumentarmos o entendimento comum e a afinidade nas nossas relações.
* Maria Minas, Psicóloga, encontra-se a desenvolver a sua investigação de doutoramento no
Programa Doutoral em Psicologia Clínica (FPUL-FPCEUC), sobre a intervenção eco-sistémica em famílias pobres multidesafiadas. maria.minas(arroba)gmail.com
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