quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Na primeira pessoa: Análise de dados qualitativos




É com grande orgulho que apresento uma nova colaboração no blog: Maria Minas* fala-nos dos seus primeiros mergulhos na análise qualitativa, e de quão caóticas e recompensadoras podem ser estas aventuras. 


Diário dos primeiros passos na análise de dados

Dia 1: Querido diário, já recolhi os primeiros dados da minha investigação. Várias impressões e interrogações me assaltaram desde que comecei a ouvir os participantes das entrevistas… Aliás, acho que foi a sensibilidade e curiosidade que me trouxeram aqui e continuam a atrair-me e sugestionar-me discretamente. Mas hoje escrevo para registar um marco importante. Vou começar oficialmente a fazer “análise de conteúdo”. Estou curiosa, entusiasmada e assustada com esta aventura. Descobrir que padrões emergem do emaranhado de conteúdos, de significados… Que surpresas, aprendizagens, confrontos, mudanças me esperarão?

Dia a seguir: “Há tantos caminhos que vão dar a Roma”… Qual será o que melhor condiz com os princípios e objectivos do estudo, com aquilo que pretendo conhecer e a maneira como o pretendo fazer? Afinal, fazer análise de conteúdo equivale a aprender análise de conteúdo e criar análise de conteúdo. Preciso de apreender as ferramentas que já existem, compreender as suas várias utilidades e como se manuseiam e depois personalizar o percurso, ajustando-o à razão de ser da minha investigação, aos seus participantes, à sua essência…

Dias depois: Tenho andado às voltas a ler as transcrições das entrevistas e a tentar absorver o que os entendidos na matéria de analisar conteúdos entendem. Vou apontando reflexões e memos. Espero que sejam úteis, tenho feito pequenas experiências baseando-me nas dicas que os autores vão partilhando de “por onde pegar” no nosso emaranhado de conteúdos. Chegou a hora de arriscar e dar os meus primeiros passos. Começar a apropriar-me da experiência e esboçar alguma coisa que reflita a voz e sentidos dos participantes, da nossa investigação.

Passados muitos dias: “Que engraçado!” “Que confusão!”… “Que interessante…” “Nunca tinha reparado….” “O que quererão dizer com isto?” “AH!”…“Bem, tenho que fazer outra coisa, a monotonia está a dar-me sono”. Não escrevia há muito tempo, mas estas são algumas das expressões que me têm ocorrido, entre muitas outras. Quase que poderia fazer uma análise de conteúdo da minha própria experiência subjectiva! Sem dúvida que ia ser surpreendente e rica… E depois podia relacioná-la com o que tenho recolhido dos participantes e comparar! De repente parece que tudo à minha volta tem potencial para análise de conteúdo, dá vontade de questionar, comparar, quase como se de um jogo se tratasse. Estou de tal maneira embrenhada que me sinto voltar aos tempos em que jogávamos consola e, tal era o “envolvimento”, transportava o jogo para o sonho e sonhava que estava a ultrapassar níveis do Super Mário e descobria novos truques…! Vejo muitas coisas positivas em viver este espírito adolescente no processo de análise de dados, chega a ser lúdico olhar para esta “obrigação” como um jogo de criatividade e sensibilidade. E esta aprendizagem, esta lente a olhar para a vida, para os significados e para as relações acaba por se entranhar e ser transferida para outras leituras e para a maneira como integro e acolho o que vejo e oiço. Dou então por mim a ver os padrões que emergem na exploração dos dados plasmados noutras situações mais rotineiras – numa notícia, num poema, numa crónica… E de repente, em qualquer leitura destacam-se palavras, pulam e juntam-se a outras e formam triângulos e apontam para novas direcções…
Sonho? Não. Realidade dinâmica, de quem se deixa influenciar e interpelar pelos dados, pelo que os participantes das entrevistas transmitem…!

E estou só no princípio. Este exercício promete ganhar complexidade, baralhar-me, mas esclarecer-me também. O tempo não se perde, ganha-se. Porque enquanto não damos por ele a passar crescemos na capacidade de ouvir a perspectiva dos outros e de assim aumentarmos o entendimento comum e a afinidade nas nossas relações. 




* Maria Minas, Psicóloga, encontra-se a desenvolver a sua investigação de doutoramento no 

Programa Doutoral em Psicologia Clínica (FPUL-FPCEUC), sobre a intervenção eco-sistémica em famílias pobres multidesafiadas. maria.minas(arroba)gmail.com


Todas as imagens @Goggle Images

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